sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

A representação da mulher na mídia e em produtos

Em comerciais de televisão, produtos e marcas, a mulher é tratada como brinde, imbecil ou hipersexualizada

por Nádia Lapa — publicado 18/12/2013 17:33, última modificação 18/12/2013 18:18

Todo mundo já sabe: em comerciais de cerveja, estará sempre muito calor e as mulheres vestirão um biquini fio dental nos corpos belíssimos. Corpos esses sem língua, diga-se, porque elas nunca falam nada. Quer vender detergente, sabão em pó ou qualquer outro produto de limpeza? Direcione as propagandas paras mulheres, porque elas ainda não saíram da cozinha.
Vemos isso o tempo todo, tomamos como verdade absoluta, e nem ligamos muito para a representação da mulher nos comerciais. Fúteis, vazias, competitivas com outras mulheres, rainhas do lar, vaidosas em nível tóxico. "É só propaganda", diriam alguns. Alguns muitos. Outros vários diriam que quem vê problema nessa má representação da mulher está é "falta do que fazer". "Vai lavar uma louça", os engraçados de Twitter responderiam. Na verdade, o sistema é esse, feroz, que se retroalimenta dos pensamentos da sociedade. As propagandas são ruins porque o público alvo é ruim, ou é o contrário? Difícil dizer.
Nos Estados Unidos há uma iniciativa chamada The Representation Project, que cuida justamente de analisar como a mídia mostra as mulheres (veja vídeo ao final do post). Aqui no Brasil não temos nada parecido, mas grupos feministas online costumam questionar as empresas quanto aos seus anúncios sexistas e muitas, muitas vezes misóginos.

Foi o que aconteceu durante a Copa das Confederações. A Ariel, marca de sabão para lavar roupas, lançou uma propaganda no Facebook com quadrinhos mostrando como a mulher também gosta de futebol. Seria ótimo quebrar o estereótipo de que só homem gosta do esporte, enquanto as mulheres são histéricas que só gritam nas partidas da seleção brasileira e não sabem nem o que é um escanteio, mas a marca, pertencente à Procter & Gamble, reiterou na série de quadrinhos como a mulher vê futebol por causa das pernas dos jogadores e que "torce". Torce roupa. Porque mulher esquenta barriga no fogão e esfria no tanque.
Falei com a assessoria de imprensa sobre os quadrinhos, e recebi a seguinte resposta: "a P&G informa que em  maio desse ano postou na fanpage de Ariel um pedido de desculpas pela tirinha criada para a Copa das Confederações. Vale ressaltar que a empresa valoriza a diversidade, assim como o papel de importância da mulher em nossa sociedade. A empresa informa ainda  que levará em conta todos os comentários e considerações que foram postados na época em sua fanpage para as próximas campanhas da marca.".
Eles, pelo menos, assumiram que foi uma bola fora (e sim, nós sabemos quando é lateral ou escanteio nesses casos). A cerveja Crystal, do Grupo Petrópolis, infelizmente não fez o mesmo. Tentou mais ou menos fugir da velha fórmula mulheres de biquini na praia (tem algumas à beira da piscina, ora pois!), e colocou uma mulher... como brinde!
Não, Crystal, apenas não. Mulher nunca é um brinde. Ou não deveria ser. A resposta da marca foi: "O Grupo Petrópolis sempre respeitou as mulheres e, em nenhum momento, teve a intenção de tratá-la como objeto.  A propaganda trabalha com humor e respeito.". Interessante observar o uso da palavra brinde, que não só é um objeto, como é um objeto que a pessoa ganha, sem maior esforço. A saída escolhida pela Petrópolis foi dizer que isso, comparar uma mulher a algo que se ganha, é piadinha. Humor é seeeeempre a desculpa para qualquer erro.
Quer ver como é sempre tudo muito, muito engraçado? A resposta da NET ao meu questionamento sobre o comercial abaixo parece até ter sido escrita pela assessoria da Crystal: "As campanhas da NET se caracterizam pela irreverência e bom humor. A empresa busca trazer novidades e frescor em sua forma de se comunicar e para isso se utiliza de temas ou situações que auxiliem neste fim.  Especificamente no filme citado, seguimos com a mesma intenção e em momento algum houve o intuito de denegrir a imagem da mulher ou imprimir qualquer outra conotação, apenas utilizou-se de um contexto usado no dia a dia das pessoas e em tom de brincadeira.".
Que coisa engraçada tratar a mulher como 1) desesperada por um príncipe; 2) interesseira a ponto de trocar um príncipe por um cartão de crédito. Hum... não.
Outra tática utilizada pelas empresas é dizer que algo - produto ou comercial - simplesmente caiu no colo delas. É preciso apontar que antes de ir ao ar ou aparecer nas araras das lojas, o produto ou propaganda passa por uma série de pessoas. Tudo está sujeito à criação, aprovação, produção. Há muito tempo e incontáveis oportunidades para alguém nesse ciclo simplesmente dizer "ei, isso aqui está errado, não vamos colocar no ar/colocar à venda".
No entanto, se alguém tem tal iniciativa nesse processo, certamente sua voz não está sendo ouvida. Enquanto isso, as empresas lavam as mãos a respeito da responsabilidade acerca da equidade de gêneros. A Luigi Bertolli está vendendo, neste momento, uma camiseta que diz:
Look like a girl
Act like a lady
Think like a man
Work like a boss

Pareça uma garota, se comporte como uma dama, pense como um homem, trabalhe como chefePense como um homem? O que há de tão diferente no pensamento de um homem para que eu, mulher, deseje ser como ele? Não está bom ser do jeito que eu sou e pensar do meu jeito? Ou homens são mais inteligentes?
"A camiseta mencionada não tem qualquer objetivo machista, feminista ou político. Trata-se apenas de mais uma estampa de moda que combina frases irreverentes com as cores da estação. Sendo assim, a Luigi Bertolli não teve intensão ou pretensão de sugerir nenhum tipo de comportamento."
Ah, está tudo bem agora, então, ufa! Que bom que uma marca denunciada por trabalho escravo e que não faz roupa para gorda não está me dizendo como viver. Sinto um grande alívio agora.
É evidente que isso não é verdade. Uma marca vende não só um produto, tangível, mas também um estilo de vida. O consumidor, então, compra algo de acordo com o que lhe é vendido. Não é só a camiseta ou o sabão em pó. Quando se trata de autoestima, então, ataca-se um ponto fraco das mulheres. Até supermodelos dizem que às vezes não se sentem tudo isso, imagine uma mulher comum, que trabalha, vai à faculdade, cuida dos filhos, lava louça, entra em fila de banco.
As mensagens que ela recebe são de que ela precisa ser bonita, atraente, sexy, ter a aparência de uma garota e comportamento de uma dama. Ela precisa. É isso que é cobrado o tempo todo dela. E, se não der pra ser tudo isso por si mesma, só resta competir com as outras mulheres, tratando-as como café-com-leite.


(A assessoria da Eudora ainda não se pronunciou a respeito do comercial.)
As mulheres precisam se unir e se empoderar, juntas, sem essa coisa de competir entre si. É triste ver uma empresa voltada às mulheres com esse tipo de discurso. No fim, se você não tiver uma aparência de capuccino e for um mero café-com-leite, você não será a escolhida pelo gatinho da balada. Não foi por causa dele que você saiu de casa?

Viu? Amigos de verdade não deixam os amigos saírem com meninas feias, diz a camiseta da Hering. Melhor ser um capuccino, garota, se não você está perdida. Segundo a assessoria da empresa, "em relação ao caso das estampas questionadas por consumidores, a Cia. Hering esclarece que já tomou as providências necessárias para evitar estes temas em seus produtos futuramente. A empresa reforça ainda que a estampa não condiz com os princípios e os valores defendidos pela marca".
Antes de eu questioná-los acerca da estampa, consumidores já o tinham feito por meio das redes sociais. Eles disseram que tirariam as camisetas das araras, mas dias depois as lojas continuavam vendendo. Sabem o motivo? Porque não importa. O sistema todo é assim. Este post poderia ser infinito, porque todos os dias nos deparamos com a péssima representação das mulheres na mídia.
O problema é que acreditamos nisso tudo. Mais do que comprar o sabão, a camiseta ou a maquiagem, nós compramos a ideia. E vivemos com ela, repetindo-a, sentindo-a na pele. Você é café-com-leite, você não é bonita o suficiente, você não será amada, você está gorda demais. E compre isso aqui para diminuir o buraco que eu, empresa, criei em você.
***
Como a mídia errou ao representar as mulheres em 2013 (em inglês). Vídeo do The Representation Project.




segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

No Congresso, comissão da PEC anti-indígena é instalada



No Congresso, comissão da PEC anti-indígena é instalada
Em “comemoração” ao Dia Internacional de Direitos Humanos, 10 de dezembro, o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), instalou a tão falada comissão especial para discutir a PEC 215. Num plenário lotado de representantes indígenas, os parlamentares ruralistas não se intimidaram com os gritos de “assassinos” enquanto discutiam os nomes para o grupo que debaterá a Proposta de Emenda à Constituição. O projeto visa transferir do Executivo para o Legislativo a competência pela demarcação de Terras Indígenas e áreas quilombolas.
Na última quarta-feira (11), dia seguinte à instalação da comissão, os parlamentares se reuniram novamente para definir a mesa diretora. Foram eleitos como presidente e relator, respectivamente, os deputados Afonso Florence (PT-BA) e Osmar Serraglio (PMDB-PR). Luis Carlos Heinze (PP-RS), outro expoente da bancada ruralista, ficou como segundo vice-presidente.
“A PEC 215, proposta pelos ruralistas, pode agravar ainda mais casos de violência contra indígenas no campo, como aconteceu recentemente no caso da TI Alto Turiaçu. A proposta enfraquece direitos conquistados pelos povos indígenas e acirra a disputa por terra. É uma triste ironia que uma decisão como essa de instalar a PEC tenha sido tomada justamente no dia em que se comemoram os direitos humanos”, afirma Romulo Batista, da Campanha Amazônia do Greenpeace.
Mesmo depois de o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmar que a PEC é inconstitucional, o Planalto não acionou sua base parlamentar para barrar a ação do presidente da Câmara e dos ruralistas. Durante a Mobilização Nacional Indígena, que ocorreu na primeira semana de outubro, a presidenta Dilma Rousseff chegou a divulgar que orientaria sua base parlamentar a votar contra a PEC 215.

Protesto Munduruku
Também no Dia Internacional dos Direitos Humanos cerca de 50 índios Munduruku ocuparam a sede da Advocacia-Geral da União (AGU) para pedir uma série de demandas como a revogação da Portaria 303, que prevê intervenções militares e empreendimentos hidrelétricos, minerais e viários em terras indígenas sem consulta prévia aos povos, a demarcação da Terra Indígena Munduruku no Médio Tapajós e que se mantenha a decisão da 1ª Vara da Justiça Federal de Mato Grosso, que suspendeu o leilão para a Usina Hidrelétrica de São Manoel, no Rio Teles Pires.
* Publicado originalmente no site Greenpeace.
(Greenpeace) 

(retirado de http://envolverde.com.br/noticias/ruralistas-saem-pela-porta-dos-fundos/)

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

ONU: “Necessitamos que a educação nas escolas ensine direitos humanos”


“Necessitamos que a educação nas escolas ensine direitos humanos e respeito mútuo e inspire as e os jovens a serem líderes a favor da igualdade.” É o que defende Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres no Brasil, sobre o papel do ensino na erradicação da violência contra mulheres e meninas.
Na data em que se encerra a campanha “16 Dias de Ativismo”, que envolveu mais de 130 países em ações simultâneas em prol de maior comprometimento social para prevenir, punir e erradicar a violência de gênero, Nadine falou ao Portal Aprendiz sobre os desafios que o Brasil enfrenta para reverter a questão.
“É preciso reconhecer que a violência contra as mulheres e meninas é uma expressão de um fenômeno social e cultural de exercício de poder e subordinação entre homens e mulheres, que implica em violações de múltiplos direitos humanos e que não é natural, aceitável ou tolerável em nenhuma cultura, classe social ou religião.”
No Brasil, segundo pesquisa realizada pelo DataSenado, aproximadamente uma em cada cinco mulheres já foi vítima de violência doméstica ou familiar provocada por um homem. Os percentuais mais elevados foram registrados entre as mulheres que possuem menor nível de escolaridade, entre as que recebem até dois salários mínimos e entre aquelas que têm idade de 40 a 49 anos.
“No entanto, a própria pesquisa demonstra que a violência está presente em todas as classes sociais”, afirma Nadine. De acordo com ela, o fim da violência contra as mulheres será uma realidade “à medida que mais pessoas a considerarem inaceitável e passível de ser evitada, e à medida que mais agressores receberem a punição devida”.
Portal Aprendiz – Qual a importância da Campanha 16 Dias de Ativismo no contexto brasileiro de combate à violência contra a mulher? Quais ações ocorreram durante esse período?
Nadine Gasman – A campanha é uma forma chamar a atenção da comunidade internacional para que se conscientize e se esforce para combater a violência contra as mulheres fortalecendo o marco dos direitos humanos. Diversas ações foram realizadas por diferentes pessoas, grupos sociais, instituições públicas e privadas. (Veja aqui um mapa interativo com as ações que ocorreram no dia 25/11).
atividades ONU: “Necessitamos que a educação nas escolas ensine direitos humanos”
Entre as atividades da campanha estavam marchas com o objetivo que denunciar os altos índices de violência praticados contra a mulher no Brasil.
Aprendiz – Como realizar um trabalho educativo com crianças e adolescentes, a longo prazo, que vise eliminar a violência de gênero? E, para além disso, como levar essa educação para a sociedade como um todo?
Gasman - Para citar a Secretária Geral Adjunta das Nações Unidas e Diretora Executiva da ONU Mulheres, Phumzile Mlambo-Ngcuka, “necessitamos que a educação nas escolas ensine direitos humanos e respeito mútuo, e inspire as e os jovens a serem líderes a favor da igualdade. Necessitamos oportunidades econômicas equitativas e acesso à justiça para as mulheres. Necessitamos escutar a opinião delas. Necessitamos mais mulheres na política, na polícia e nas forças de manutenção da paz”.
Temos que envolver os Ministérios da Educação para garantir que os direitos humanos, a educação sexual, a igualdade de gênero e a resolução não violenta de conflitos sejam temas centrais nos currículos em todos os níveis da educação. Os professores e professoras também precisam receber formação para ensinar sobre esses temas.
Aprendiz – Qual a avaliação da ONU Mulheres acerca dos sete anos de implementação da Lei Maria da Penha? Quais os principais desafios a serem superados?
Gasman – A Lei Maria da Penha é citada entre as três melhores legislações do mundo com relação ao enfrentamento à violência contra as mulheres no relatório “O Progresso das Mulheres no Mundo 2008/2009″, junto com a lei da Violência Doméstica na Mongólia (2004) e a lei de Proteção contra a Violência na Espanha (2004). É realmente uma lei especial, porque 98% da população a conhece e sabe que a violência contra as mulheres é um crime passível de punição.
A Lei Maria da Penha é essencial, pois deu às mulheres a certeza de que podem falar e denunciar. As mulheres que sofrem violência já não se sentem obrigadas a se calar e aguentar tudo sozinhas. Elas sabem que existe proteção legal para elas, e estão se sentindo encorajadas a denunciar. Então, o que vem aumentando é a visibilidade, a possibilidade de tornar pública a violência doméstica e buscar uma solução. A lei é muito popular, todo mundo sabe que ela existe, e tem sido muito útil na proteção da vida e da integridade das mulheres vítimas de violência.
Porém, o sistema de justiça precisa acompanhá-la. O sistema de justiça brasileiro reconhece de forma irregular a gravidade da violência doméstica e familiar. Apenas um terço dos casos que chega aos tribunais resulta em condenação, e a impunidade ainda é um problema crítico. O Brasil tem uma rede de atendimento que tem que ser fortalecida para garantir que as mulheres que são agredidas tenham acesso a serviços integrais de qualidade. A prioridade do governo através do programa “Mulher, viver sem violência” tem potencial de garantir esse acesso.
* Publicado originalmente no site Portal Aprendiz.
Retirado de 

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Lançamento de livro - Rio de Janeiro



Na próxima segunda-feira, dia 16/12, às 19:30 horas, será lançado o livro POLÍTICA CULTURAL COM AS PERIFERIAS, de Aline Dantas, Marisa S. Mello e Pâmella Passos, na Biblioteca do Campus Rio de Janeiro do IFRJ. O endereço é Rua Senador Furtado, 121 - Maracanã.




quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Utilidade Pública - Campanha de Doação de Natal

O TRF - 2ª Região (Rio de Janeiro), através de sua Comissão de Gestão Ambiental, juntamente com a ONG Vamos Unir o Mundo, está promovendo uma Campanha de Doação neste natal para os moradores da Comunidade Kelson,na Penha, bairro do Rio de Janeiro, onde a ONG já realiza ações de cunho socioambiental na área de coleta e reciclagem de resíduos sólidos.


Maiores informações podem ser obtidas nos telefones (21) 3261-8659  ou (21) 3261-8430.

Aldeia Indígena em Niterói - Rio de Janeiro

Já há algum tempo ouvi falar dessa Aldeia, organizada por índios vindos de Paraty que desejavam retornar a um local sagrado em Niterói, onde há Sambaquis - cemitérios indígenas. Seu site descreve sua história de luta pela preservação de um espaço sagrado indígena em plena Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Segue o link:

http://www.tekoamboytyitarypu.site90.com/index.php?p=1_2_Aldeia

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Hamba Kahle, Mandela. Descanse em paz



(Retirado do site http://envolverde.com.br/noticias/hamba-kahle-mandela-descanse-em-paz/)




“O que conta na vida não é o mero fato de termos vivido. A diferença que fizemos na vida de outras pessoas determinará a importância da vida que levamos”, discurso de Nelson Mandela na comemoração do nonagésimo aniversário de Walter Sisulu, em Johanesburgo, África do Sul, 2002.
Nelson Mandela nunca foi de fato um prisioneiro. Na verdade, sempre foi um homem livre. E agora, para sempre. Como um sul-africano, um companheiro da luta para libertar a minha pátria do mal do apartheid, e um cidadão do mundo, meu coração está pesado hoje. Esta perda deveria ser esperada, mas mesmo assim continua sendo difícil de encará-la e suportá-la.

O mundo perdeu um verdadeiro líder, um verdadeiro pai e uma verdadeira inspiração. Dizer que Mandela viveu uma vida repleta de significado está longe de fazer justiça ao que este homem realmente foi – ele deixa um profundo legado de esperança em um mundo que ainda está repleto de injustiça e inequidade. A inspiração de Mandela permanecerá em meu coração e nos corações das pessoas em todo o mundo.
Meus pensamentos e rezas estão com sua família e amigos neste momento difícil. O mundo todo suspirou com esta notícia e está de luto. Este é um momento para reflexão e para calma contemplação de uma vida que foi bem vivida, por um homem que foi bem amado.
Eu tinha 15 anos de idade quando ouvi o nome Mandela, ou Madiba como ele é mais conhecido na África, pela primeira vez. No apartheid da África do Sul, ele era o inimigo público número 1.
Envolto em segredos, mitos e rumores, a mídia o chamava de “The Black Pimpernel” – em português, a Anagálide Negra. Isso porque ele era capaz de escapar dos policiais usando vários disfarces – seu preferido era o de motorista – até que a CIA (Agência de Inteligência Norte-americana) decidiu cooperar com o regime do apartheid para garantir sua captura.
Em Durban, onde eu nasci e cresci, e em toda a África, ele era um herói! Agora, ele é um herói para o mundo. “Educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo”, ele afirmou na Universidade de Witwatersrand, em 2003.
Pensando em como ele moldou minha juventude ativista, durante o regime do apartheid foi a primeira vez em que participei ativamente de um protesto contra a desigualdade na educação. Eu lutei contra o apartheid na educação e me lembro da primeira vez em que eu e meus amigos ouvimos sobre a campanha “Libertem Mandela”.
Madiba, a forma como frequentemente nos referimos à ele, era censurado pela mídia uma vez que suas idéias aterrorizavam os oficiais de estado. Desde então, Madiba se tornou uma grande fonte de inspiração para mim, e quando ele disse, “a luta é a minha vida”, eu entendi o quão poderosas e verdadeiras suas palavras realmente eram.
Estas palavras inspiraram a mim e a muitos companheiros ativistas que lutaram contra a brutalidade do regime do apartheid. Para mim, assim como para muitos amigos antigos, aquilo se tornou minha vida: uma vida difícil, mas repleta de alegrias.
Eu tive o privilégio de encontrar Madiba muitas vezes, e me considero extremamente sortudo por isso. Eu o conheci quando eu estava com quase 30 anos, em 1993. Eu ajudei a organizar um grupo de trabalho no Congresso Nacional Africano que criaria seu plano de comunicação.
Para alguém que raramente perde as palavras como eu, eu fiquei em choque, envergonhado, e mal conseguia pronunciar uma frase quando Madiba apertou minha mão: “É uma honra conhecê-lo, Madiba”, eu disse. E não consegui falar mais nenhuma palavra depois disso. Ele tinha uma presença enorme, que mesmo assim permanecia simples e não era pretensiosa.
Depois do almoço, ele perguntou ao gerente do hotel no qual o Congresso estava acontecendo, se ele poderia agradecer aos trabalhadores que haviam providenciado a comida. Ele foi para a cozinha e agradeceu um por um. Eu o segui e pude ver que ele apertou a mão de cada um deles, um gesto simples e honesto de apreciação que significou muito para todos eles.
Em 1995, eu o encontrei novamente quando eu estava liderando a Campanha de Alfabetização de Adultos na África do Sul. No dia internacional da Alfabetização, eu levei crianças e adultos que estavam estudando para encontrarem Madiba no Parlamento.
Eles estavam muito animados porque iam tirar uma foto com ele e ao mesmo tempo muito ansiosos – essa imagem se tornou mais tarde um poster para a nossa campanha que promovia educação básica aos adultos.Eles não paravam de me perguntar o que eles deveriam dizer e como deveriam se comportar durante a reunião com o presidente. Muitos deles haviam preparado suas frases e planejado como agradeceriam Madiba por ter arranjado tempo para nos ver.
Mas quando Madiba saiu de sua reunião de gabinete, ele nos surpreendeu. Ele andou na direção de cada um e agradeceu cada um de nós por termos tido tempo de encontrá-lo. “Eu sei o quão ocupados vocês todos são e eu agradeço por usarem parte de seu tempo para me encontrar”, ele disse. Naquele exato momento, ele conseguiu acabar com toda a distância que existia entre ele e nós. Ele era apenas um ser humano, uma pessoa como cada um daqueles que tinha ido visitá-lo, e todos relaxaram. É uma pessoa que nunca esqueceu seu lado humano e simples. Sua tenacidade, resolução e sua vontade de perdoar eram mais do que humanas e me deram força e me ensinaram lições importantes sobre determinação e perseverança.
Madiba disse uma vez que a luta por justiça não é um concurso de popularidade. A verdade é que esta luta nem sempre é popular, e seu exemplo ajudou a mim e a milhares de outras pessoas a serem mais resilientes. Madiba acreditava que a injustiça continuaria existindo a menos que homens e mulheres decentes dissessem: “basta, é suficiente, não queremos mais”.
Ele declarou: “Eu lutei contra a dominação branca e lutei contra a dominação negra. Promovi o ideal de uma sociedade democrática e livre na qual todas as pessoas possam viver em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal que espero viver mas, se necessário for, é um ideal pelo qual estou preparado para morrer”. (conclusão de seu discurso durante seu julgamento, em 1964, em que foi acusado de sabotagem e traição).
Hoje, o céu estará mais colorido e alegre do que normalmente. Madiba usará uma de suas camisetas que todos conhecem, ainda queimando com a paixão e a sabedoria que foram cultivadas em meio à injustiça, adversidades e afinadas na vitória. Ele estará olhando para todos nós – pessoas em qualquer lugar do mundo, querendo que continuemos avançando, sabendo que o impossível é alcançável se formos honestos e verdadeiros para nós mesmos.
Descanse em paz, Madiba, com a nossa eterna gratidão, você mais do que merecia descansar!
Hamba Kahle, Madiba. Ngiyabonga kakhulu. (Descanse em paz, Madiba. Obrigada por tudo).
* Kumi Naidoo é diretor-executivo do Greenpeace Internacional.
** Publicado originalmente no site Greenpeace.